Wednesday, February 29, 2012

Guerra Fria



Impõe-se, antes de mais, confessar que este blogue nasce da nostalgia pelo clima da Guerra Fria (1947-1991), pela retórica bi-lateral que contagiava tudo e todos de ambos os lados daquela cortina de ferro que, na histórica frase de Churchill, se abatera de Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático. Nostalgia pelas manhãs radiantes que poderiam trazer o apocalipse nuclear, anunciado pelo bater cadenciado do relógio no fabuloso tema THE RUSSIANS (1985) de Sting ou pelo voo dos 99 LUFTBALLONS (1984) de Nena. Pela mística sinistra de expressões como Smiert Spionam, à qual Fleming foi buscar o acrónimo SMERSH, ou pelo mítico Checkpoint Charlie entre as duas Alemanhas. Pela emoção de assistir a um URSS-RFA nos mundiais de Futebol, ou assistir à luta pelas medalhas nos sucessivos Jogos Olímpicos. Pela inquietação e respeito que causava o avistamento da foice e do martelo, ou da estrela vermelha, tão distintos da ridícula palermice em que os actuais partidos comunistas as converteram. Pela retórica agressiva do "Havemos de enterrar-vos" de Krushchev, martelado com um sapato no púlpito da ONU, tão distinta do louco misticismo dos actuais inimigos islâmicos. Nostalgia, também, pelas figuras que preenchiam os noticiários, Thatcher e Reagan, Khomeini e Khadaffi, Brezhnev,Andropov, Chernenko e Gorbachev. Nostalgia, ainda, pela sensação de estranheza que, nos idos dos anos 1990, me causava a súbita invasão de jornais escritos em cirílico um pouco por todos os quiosques portugueses, como se subitamente, como num episódio da TWILIGHT ZONE, tivesse sido transportado para os Estados Unidos ocupados pelos exércitos soviéticos no RED DAWN (1984) de Milius.

Nostalgia, sobretudo, pela música, pelo cinema e pela televisão que documentaram o imaginário desse tempo que já não volta e que efectivamente parecia conduzir ao grande final da História, provavelmente na proliferação de cogumelos atómicos de DR. STRANGELOVE (1964) e de incontáveis filmes pós-apocalípticos do cânone da Ficção Científica. Se houve campo de batalha em que os Ocidentais se sobrepuseram aos Soviéticos foi no da conformação do imaginário: James Bond, John Drake, The Avengers, The Man From U.N.C.L.E., Rambo, Rocky, Harry Palmer, George Smiley, Jack Ryan, The A-Team, nunca encontraram resposta do outro lado da cortina.

Este blogue terá como tema principal os espiões do cinema e da televisão do período compreendido entre 1959 e 1991, sobretudo os da veia mais fantasista como Bond, The Avengers e as incontáveis imitações de uns e outros, mas não se furtará a abordar, ao sabor da vontade ou do relevo, obras tão díspares como RED HEAT, THE MAN WITH ONE RED SHOE, GOTCHA!, ROCKY IV, RED DAWN, OUR MAN IN HAVANA, TOP GUN, IRON EAGLE, RAMBO III ou FIREFOX. Se os leitores sentirem a mesma nostalgia, ou simplesmente a curiosidade de explorar uma geografia imaginária coada pelo filtro da subjectividade pessoal deste vosso anfitrião, a exploração começa aqui, com a adaptação da primeira novela de Ian Fleming, CASINO ROYALE, publicada em Abril de 1953.